De acordo com a medicina tibetana, o corpo é a expressão física de energias mentais geradas pelo cérebro. A natureza destas energias é criada pela forma como cada pessoa interpreta o mundo à sua volta.
Embora consideremos que estamos a reagir instantaneamente a tudo o que nos acontece, estamos, na verdade, sempre a viver no passado, porque os nossos cérebros apenas podem reagir através dos nossos sentidos. Reflictamos sobre isto, e chegaremos à conclusão de que a nossa reacção está sempre alguns segundos atrasada em relação ao acontecimento que a originou devido ao tempo que é necessário para o processamento através dos nossos sentidos e do nosso cérebro. O nosso sentido de instantaneidade é uma ilusão. Aquilo que achamos que está a acontecer agora mesmo faz já parte do passado.
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A nossa sabedoria interior e os nossos estados de consciência mais elevados são a única base da felicidade espiritual individual. Eles reflectem a humanidade mais elevada que liga todos os indivíduos da espécie humano. Mas nós sentimo-nos separados deles. Neste mundo conturbado, a cuidadosa compreensão do passado, do presente e do futuro pode originar um grande insight.
Muitas pessoas compreendem que o nosso planeta é uma mera transição para um plano mais evoluído. Mas muitas vezes o que acontece é que fechamos essas mesmas percepções que nos podem revelar a nossa luz interior, e assim permanecemos confinados a este mundo e às emanações materiais. se não começarmos a procurar aquilo que vemos como o céu ou uma consciência mais elevada, o risco que corremos é o de o inferno e os estados da mente infernais começarem lentamente a apossar-se de nós.
A nossa Terra está a atravessar uma adolescência penosa, pois não só a humanidade é uma espécie nova como também se passa o mesmo com o pedaço de rocha sobre o qual vivemos. Vivemos numa espécie de puberdade global. Entalados entre o velho e o novo, esquecemo-nos da constante que permanece lá, independentemente da História, dos calendários ou da política: e que é a nossa capacidade enquanto indivíduos e enquanto espécie para nos religarmos uns aos outros e às dádivas da natureza. Para que isto possa acontecer temos de deixar que a nossa humildade assome à superfície. A humildade é a base da generosidade.
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Todos nós somos sábios. Todos temos acesso à verdade interior. Ninguém é detentor único da chave para a verdade. Confie na sua dignidade e consciência emergentes. Não tente agarrá-las à força. Receba-as e desfrute.
Viva cada dia não como se fosse o último, ou como se nunca tivesse vivido antes, mas pelo que ele é: uma experiência desconhecida, que encerra a potencialidade de lhe oferecer uma ligação à sua humanidade e felicidade. Temos de compreender que o processo de viajar em direcção aos nossos sonhos é em si mesmo uma experiência espiritual.
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A alma não é eterna. Uma alma dura o tempo de uma vida incluindo o processo de morrer. Depois desfaz-se – um processo espiritualmente biodegradável da mente. Portanto, nós não renascemos completos com uma alma, mas chegamos a esta vida na posse de todos os ingredientes para criarmos uma.
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O céu nocturno, brilhante e forte, estendia-se sobre a noite. Estava tudo imóvel; não havia vento, nem sequer uma leve brisa. Lá em baixo o lago apresentava-se plácido, pensativo. A montanha, acima de nós, permanecia forte, desafiadora e sábia.
«Esta noite vamos começar a aprender a criar uma alma.», disse Urgyen, o meu instrutor. «Todos nós nascemos sem alma, e a maioria das pessoas não sabe como criar uma. Em primeiro lugar temos de começar por observar a energia da nossa alma. Observa.»
Ele fixou o olhar no outro lado do vale. Tudo se tornou ainda mais imóvel do que anteriormente. Levantou a sua mão direita no ar, com a palma virada para a noite. Começou a entoar um cântico, lento e longo, e tudo o que se encontrava diante de mim se incendiou de luz e chamas claras. O meu queixo caiu-me nos joelhos; uma parte de mim não conseguia acreditar no que eu estava a ver. Mas a minha dúvida desvaneceu-se quando olhei mais atentamente: o céu, as estrelas, as árvores, o ar, a montanha, o lago, o monte onde me encontrava tornaram-se uma chama incandescente. Então olhei para baixo, para mim mesmo: também eu fazia parte daquela chama.
«Esta é a energia de que são feitas todas as coisas», afirmou Urgyen. «É a consciência. És tu e eu, e todas as criaturas viventes. É esta energia que forma a nossa mente e a nossa alma.»
Subitamente desapareceu. As estrelas, a montanha e o lago voltaram a ser como eram.
in A Arte Tibetana de Viver por Christopher Hansard